A Princesa que sonhei - Parte V

Tento argumentar que o novo sistema de saúde é bem melhor do que o anterior

Por: Edar da Silva Añaña, professor, [email protected]

Bastou o VLT arrancar da Parada do Mercado e Maria entabulou novamente a conversa, desta vez falando mal do sistema de saúde, que na sua opinião teria piorado bastante. Lamentava não ter conseguido consulta com o doutor Chiquinho, que agora chefia uma equipe de saúde na Balsa, e que no passado a atendia em qualquer lugar. “Era melhor, moço: a gente ia a qualquer posto, entrava na fila e consultava com o médico que quisesse. Tinha que ir de madrugada, mas a gente consultava no Pestano, e se não gostasse do médico ia ao Getúlio e consultava novamente... e se não gostasse de novo ia indo de posto em posto até chegar ao Pronto-Socorro, onde a fila era enorme, mas como a polícia estava sempre na porta eles acabavam atendendo a gente.”

Tento argumentar que o novo sistema de saúde é bem melhor do que o anterior, que não há mais filas de espera nos postos, e muito menos no Pronto-Socorro, que agora atende apenas as verdadeiras emergências. Com a chegada do novo sistema os usuários foram todos “convidados” a optar entre o SUS e os sistemas privados: quem optou pelos sistemas privados agora desconta todas as despesas com a saúde no imposto de renda, mas não pode mais se socorrer do SUS para os procedimentos caros, como transplantes e cirurgias complexas; e quem optou pelo SUS é atendido por uma equipe de saúde chefiada por um médico de família. Como as equipes recebem prêmio pela manutenção da saúde e não mais pelas doenças que tratam, como acontecia antes, houve uma redução substancial nas internações e nos encaminhamentos sistemáticos a outros médicos, inclusive aos especialistas.

Maria segue irredutível. Não gosta de consultar para o filho no Posto do Pestano porque “a doutora é muito novinha”, e reclama das regras que foram impostas: “Antes eu consultava em dois ou três lugares para conferir se a receita estava certa, e agora não posso mais; antes eu ganhava gorjetas para trocar receitas de médicos particulares e pegar remédios nos postinhos para as patroas, e agora não posso mais; antes eu ia direto no especialista, e agora não posso ir mais”. Tento argumentar que o sistema, para funcionar direito, tem que ser assim, pois se voltar a pagar por doença, os médicos serão novamente incentivados a encaminhar os seus pacientes a outros médicos, e estes a outros e mais outros, até esgotar-se a capacidade de atendimento. Mas Maria não se convence. Seu patrão, que é fazendeiro, recentemente teve que vender um pedaço de campo para tratar um câncer, porque o SUS não paga mais os tratamentos dos pacientes do sistema privado. Respondo-lhe que a vida é assim mesmo, que as escolhas em geral têm ônus e bônus, e que se alguém opta pelo serviço privado e desconta isso no imposto é sinal que tem como bancar o risco da doença sem se socorrer do Estado.

Aproximamo-nos da avenida Bento e eu agradeço Maria pela companhia e pelo papo. O VLT para ao lado do Altar da Pátria e o alto-falante anuncia: “acorda nego, que já são sete e meia”.

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